quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pedro Barbosa: «Estabilidade incomoda muita gente»

RECORD – Tem sido acusado de excessivo low profile como director desportivo do Sporting. Aceita a crítica?

PEDRO BARBOSA – É uma característica que tem fundamentalmente a ver com a minha forma de estar, comportamento que tive enquanto jogador. Quando assumi funções no Sporting mantive a discrição. Uns podem entender que é demasiada, outros não. Sinto-me confortável. Não tenho necessariamente de aparecer porque as coisas são feitas de uma maneira natural e porque o Sporting tem claramente uma filosofia. Sempre que é necessário falar, falo, embora seja um facto que tenho falado pouco. Há uma estrutura que se mantém intacta, exceptuando a saída do Carlos [Freitas, ndr] e não sentimos necessidade de intervir para dizer palavras de circunstância ou para comentar se jogamos bem ou mal. Nesta posição naturalmente é preciso falar nalguns momentos e o Sporting, neste particular, tem falado, seja pela voz do presidente Soares Franco, seja por Miguel Ribeiro Teles, sempre que entende que é oportuno fazê-lo.

R – Ao fim de tanto tempo, resolveu falar. Depois de Carlos Freitas se ir embora, não considera que deveria haver uma maior exposição da sua parte?
PB – Naturalmente, e ela existe por natureza, mas isso não significa que tenha de falar. Quando entendermos que é oportuno eu aparecer, apareço! É uma forma de estar.

R – E porquê falar agora?
PB – Muito do que se diz e escreve cria um ruído externo à volta do Sporting. Tenho a convicção que a estabilidade no Sporting incomoda muita gente. Todas as notícias que diariamente têm surgido e que criaram um ruído que não existe, de facto, no clube, justificam a minha intervenção. Numa equipa de futebol, ao longo do ano, vão surgindo situações e que são geridas internamente. Quando as coisas extravasam e não têm fundamento, complicam. O adepto sportinguista, como o adepto português em geral, consome muito o que é escrito e falado e muitas inverdades passam como notícia. Cria-se uma imagem deturpada da realidade e fica a sensação que aqui ou ali está tudo partido e que ninguém se entende. Ora isso no Sporting não corresponde à verdade. Pura e simplesmente não existe. É falso. O Sporting tem um grupo unido, solidário e que queremos cada vez mais unido e solidário. Situações de insatisfação e de tristeza, é normal existirem.

R – Porque diz que a estabilidade incomoda muita gente?
PB – Porque as pessoas não estão habituadas a ela. Joguei dez anos no Sporting e estabilidade foi expressão que nunca pôde ser usada com grande convicção. Nos últimos anos, com esta direcção e administração, a estabilidade não é palavra vã. E passou inclusivamente para o treinador, o que é até anormal. Vocês próprios registaram já que esta é a segunda vez que um treinador permanece tanto tempo à frente do Sporting. Mas isto causa transtorno às pessoas.

R – Isso pode ter a ver com alguma irritação com o treinador e com as pessoas que estão no Sporting?
PB – O treinador tem uma exposição brutal. Fala antes e depois dos jogos, às vezes jogamos 2 ou 3 vezes por semana...

R – ... E até por isso não deveria haver mais alguém que partilhasse o impacto dessa exposição?
PB – O Sporting tem essas pessoas. No momento em que entende falar ou tomar posição, há sempre alguém que o faz, seja o presidente Soares Franco ou o administrador Ribeiro Teles e eu numa ou noutra ocasião.

R – Mas o treinador não tem ficado sujeito a maior desgaste e à mercê da crítica fácil?
PB – Tocou num ponto certo: a crítica é demasiado fácil. Vivemos neste mundo: se chove, devia estar a fazer sol; se joga o A deveria jogar o B; se remata devia ter passado; enfim tudo é motivo de discussão e crítica. E é isso que cria um ruído externo que não está de acordo com aquilo que se passa realmente. Fala-se de perturbação num meio onde existe coesão e estabilidade. O Sporting é um clube de valores e princípios e aplica-os. Há um contrato, é para cumprir.

R – Discorda portanto de que Bento está desprotegido?
PB – O Paulo fala de tudo o que é de âmbito técnico. Nessa matéria é soberano. Agora, falar antes e depois de todos os jogos é naturalmente complicado. Mas existe sintonia total entre as ideias do treinador, do director desportivo e da administração. Não tenham dúvidas: caminhamos juntos. Estamos num projecto forte, firme e credível e que visa crescer de forma sustentada. Isso só é possível se houver estabilidade. E ela existe. É claro que todos estamos dependentes dos resultados, não há volta a dar. É fundamental ganhar. O Sporting tem feito um esforço grande no sentido de conseguir ganhar mais vezes e nas últimas três épocas, ainda que não tivesse atingido o objectivo principal que é o título de campeão nacional, esteve perto. O que se exige é que o Sporting esteja sempre na luta e, se possível, ganhe.

R – Bento tem falado sempre sobre questões técnicas, mas há aspectos num grupo de trabalho que ultrapassam esse âmbito. E sobre isso também pouca gente tem falado...
PB – Há uma coisa que não tenho dúvidas que os sportinguistas sabem: a confiança e a sintonia que existe entre a equipa técnica e a administração. O Paulo tem a certeza de que a SAD intervém sobre tudo aquilo que passa para além do que é estritamente técnico. É o que tem acontecido. Mas não temos que pôr cá fora tudo o que se faz nessa matéria. Num grupo de trabalho de 25 jogadores e de vários departamentos aquilo que se apelida de “casos” são situações perfeitamente normais que devem e são resolvidas internamente. Depois, porque muita fonte é usada, assumem uma dimensão que não corresponde à realidade.

R – Admite grande cumplicidade na estrutura responsável do futebol. O Pedro Barbosa tem grande influência sobre Paulo Bento?
PB – De modo algum! Cada um tem as suas competências e área de intervenção. É impensável. Quem coloca essa questão não conhece o Paulo Bento! Ele é o responsável máximo e assume todas as decisões que toma. Não é influenciável, nem eu me revejo nessa forma de estar. O Paulo é um treinador fantástico, é a pessoa certa no Sporting. Eu tento, dentro das minhas competências e em coordenação com ele e o dr. Ribeiro Teles, tornar a equipa mais forte e coesa.

R – O Paulo Bento já anunciou o fim de um ciclo. Como director desportivo sente que ele é a peça que acusa mais desgaste ao longo deste tempo?
PB – O fim de ciclo é uma constatação. Termina um mandato que coincide com o fim do contrato do treinador. Nada mais do que isso. Se vai surgir novo contrato, a seu tempo as coisas serão avaliadas. É um processo normal.

R – Para si é o treinador indicado para continuar?
PB – É, claramente, a pessoa indicada para fazer coisas muito boas que começaram a ser construídas há 2 anos e meio. Acredito, aliás, que este ano vamos ter grande sucesso.

R – Mas repito: é o mais desgastado?
PB – É o rosto. Com tanta exposição, é natural e inevitável que sofra um desgaste. Resta saber até que ponto vai o desgaste.

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